Os desenvolvedores de The Last of Us discutem como o Clickers saíram do papel, e criadores da HBO falam sobre a adaptação de TLOU com atores.
The Last of Us não economiza nos desafios à sobrevivência dos protagonistas e talvez nenhum desses desafios seja tão impressionante quanto os diversos enfrentados por Ellie, Joel, o Infectado, e outros. Variam em tamanho e tática e todos são memoráveis dentro do seu nível de dificuldade, mas o mais icônico deles é o Clicker, um dos primeiros protagonistas infectados que surge em The Last of Us Part I.
Independentemente de você ter encontrado esses adversários quando o original de The Last of Us foi lançado em 2013, ou ao assistir às versões em live action exibidas em The Last of Us na HBO, ou os ter conhecido recentemente em The Last of Us Part I no console PlayStation 5, ou estiver planejando jogar a Parte I em um PC a partir de 3 de março por meio da Steam ou da Epic Games Store, os Clickers não são algo para se pegar leve. Depois de conferir com detalhes a abertura inesquecível de The Last of Us para a série “Produção de The Last of Us”, conversamos com alguns membros da galera da Naughty Dog, tanto do original TLOU quanto da Parte I, para fazer esses Clickers, bem… clicar, e saber como os criadores do programa de TV conseguiram reproduzir a tensão do combate de TLOU com atores reais.
Criação de criaturas
Os Clickers de The Last of Us são uma ameaça imediata quando apresentados aos protagonistas, mas, logicamente, têm de parecer naturais dentro da proposta exclusiva de The Last of Us em um mundo pós-pandemia.
“Quando começamos a trabalhar em The Last of Us… Ficou bem claro que seria necessário lutar contra outras facções, contra outros seres humanos em busca da sobrevivência, e isso também incluía metas competitivas. Disso não havia dúvidas. Então nos perguntamos ‘A gente quer mesmo os Infectados?'”, explicou Neil Druckmann.
Os criadores pensaram em manter o equilíbrio de The Last of Us e incluir apenas inimigos humanos, mas ao perceberem que outro tipo de inimigo poderia ajudar a apresentar a ideia de como a humanidade chegou à beira do colapso, nasceram os Infectados. No entanto, eles não nasceram de repente e já foram totalmente formados.
“Não descuidamos em nenhum momento da forma como nos diferenciamos de zumbis, já que existe uma porção de filmes sobre zumbis, jogos sobre zumbis, e a gente poderia facilmente cair na armadilha de ser apenas mais outra criatura zumbi sem dar um toque totalmente novo à ideia”, afirmou Druckmann ao explicar que, durante a fase de conceituação, uma obra de arte específica solidificou o lugar onde a equipe poderia inserir os Infectados.
“Hyoung Nam, um dos nossos artistas conceituais, acabou criando essa combinação… ele usou fotografias de fungos se desenvolvendo e de uma pessoa esborrachada na parede, misturou as imagens e fez a pessoa ficar coberta de fungos de tal modo que não era mais possível ver seu rosto”, disse Druckmann.
Desse ponto em diante, a equipe continuou repetindo e refinando a ideia principal sobre o que os Infectados poderiam ser, inclusive a ideia de que a infecção por Cordyceps desencadeada no meio da epidemia se desenvolveria no cérebro de uma pessoa e abriria sua cabeça ao meio, resultando no icônico visual da cabeça de um Clicker.
“Tentamos ser fiéis à ideia e ao conceito do Cordyceps”, afirmou Erick Pangilinan, Diretor de arte. “A coloração exclusiva na cabeça é a forma como estamos tentando estabelecer um elo com a ideia do Cordyceps. A coloração do Clicker foi sem dúvida aquele momento ‘Ah, ha!’.”
Tão importante quanto o poder de transmitir o pavor que o Clicker inflige aos jogadores são seus movimentos. Os estalos rápidos do pescoço, os movimentos bruscos dos membros: todo passo que o Clicker dá o deixa assustadoramente mais próximo de descobrir você. Porém, conforme relatado por Bryant Wilson, Principal animador cinematográfico, que trabalhou nas Partes I e II de The Last of Us, sua filosofia pessoal ao animar o movimento do Clicker se baseou em uma ideia que se mantém fiel ao conceito original de Nam: um corpo humano sendo controlado por outra entidade.
“A ideia que eu tinha em mente quando estava animando um Clicker é a de que eles são seres humanos vivos controlados por alguma coisa estranha”, explicou Wilson. “É quase como se eles fossem manipulados por esses fungos em seus cérebros. Isso explica os movimentos, porque, enquanto eles tentam tomar a direção certa, parece que alguém os puxa para outra direção.”
E como os protagonistas de The Last of Us logo ficarão sabendo, o encontro com o Clicker é um momento sensacional.
“O Clicker, não o morto, quando aparece pela primeira vez, surge bem na sua cara, sem você esperar, e fizemos isso de propósito”, disse Wilson. “O susto funciona, porque, até então, a gente só falava bem deles. Você já conheceu os personagens regulares e agora é a primeira vez que vê [um Clicker], ou seja, eles estavam por aí, em algum lugar da selva.”
Mas a grande surpresa que os protagonistas provavelmente terão, tão assustadora quanto ficar bem perto de um Clicker grudado no rosto de Joel, é o que ouvirão antes de se encontrarem com um deles, daí o nome Clicker.
Clique, Clique, Clique
Os Clickers receberam esse nome por um motivo: sem enxergar, eles usam os sons de estalidos não apenas para deixar o protagonista convenientemente aterrorizado, mas também para entender o ambiente ao redor e localizar sua vítima. Embora a intenção da equipe fosse a de dar a ideia de que os Clickers usam esses sons como meio de percepção pelo eco, como um morcego ou golfinho, ainda era preciso refinar o conceito.
“Um dos elementos mais importantes foi tentar usar sons humanos o máximo possível. Não queríamos apenas aquela coisa ‘criaturesca'”, explicou Phil Kovats, Diretor sênior de som e áudio principal da Sony na versão original de The Last of Us, ao falar de toda a atmosfera sonora dos Infectados.
“Não tínhamos certeza do que precisávamos. Não sabíamos direito como iríamos conseguir isso. Contratamos, acredito, quatro ou cinco atores e gastamos um bom tempo com eles nessa fase para que criassem um som e descobrissem como o fariam, já que são feras no assunto”, explicou Kovats. “Contratamos atores bem específicos. Uma das atrizes que encontrou a voz foi Misty Lee. Já havíamos trabalhado com ela antes, uma pessoa incrível, muito divertida, criativa e brincalhona, e ela criou essa voz gutural, tipo som de golfinho. Derrick Espino e eu olhamos um para o outro e nossa reação foi ‘Meu Pai do Céu, o que é isso? Que troço incrível’.”
Phil e a equipe reuniram as sessões de Lee e trabalharam nelas para estabelecer a profundidade e o alcance dos sons que um Clicker é capaz de emitir, enquanto o restante do pessoal da Naughty Dog continuou repetindo, refinando e dando ideias sobre as habilidades dos Infectados. No entanto, mesmo com o trabalho de Lee, criado para Clickers mulheres, Kovats percebeu que deixar a voz mais grave ou ajustar o áudio não se encaixaria exatamente na proposta dos Clickers homens. A solução para esse problema surgiu de um lugar surpreendente: o próprio Kovats.
“Descobri que conseguia reproduzir o mesmo som. Acho que surpreendi a mim mesmo. Passei um bocado de tempo dando boas risadas com Derrick Espino e Erick Ocampo e gravando minha voz nas salas de áudio [da Naughty Dog]”, comentou Kovats enquanto ressaltava como mudou um pouco a interpretação. “Tenho a voz ligeiramente grave e, quando uso a parte posterior da garganta, o som acaba ficando meio sombrio também.”
Mas o que os protagonistas de The Last of Us já sabem, e os futuros descobrirão, é o quanto a vocalização dos Clickers é dinâmica. Há uma emoção evidente e distinta em sua atmosfera sonora, algo totalmente proposital e obtido graças ao trabalho em equipe de vários departamentos.
“Tivemos de trabalhar na criação dessas etapas e depois com as equipes de animação e de IA para deixar o roteiro no formato de diálogo”, explicou Kovats. “Não se trata apenas de um efeito de som. Tratamos esses sons como o diálogo de um personagem.”
Chegar a essa autenticidade exigiu criar profundidade e compreensibilidade suficientes para as diversas situações nas quais os jogadores verão os Clickers envolvidos, de momentos mais dóceis (embora ainda ameaçadores) ao seu modo de agir quando se encontram no meio de combates.
“Trabalhamos um bocado para garantir que seria possível imprimir a emoção e o estado de espírito do personagem, de alheio a sonolento ou apenas respirando e com alguns estalidos ocasionais. Vimos a animação e como a equipe criaria os movimentos de contorção e agitação do personagem, então acrescentamos algumas coisinhas que surgiriam de forma rápida e aleatória. Teríamos grupos de sons que poderíamos usar aleatoriamente nessa parte e fazer a coisa parecer bem orgânica e natural naquela situação”, afirmou Kovats.
“Conforme o personagem fosse se movimentando… se estivesse alheio, usaríamos tons vocais silenciosos e nada que soasse muito ameaçador, mas sempre tentando manter o protagonista assustado”, continuou. “Havia os estalidos leves enquanto o personagem percorria o ambiente… e ao perceber algo ao redor, o som ficava mais agressivo, muito do conteúdo vocal seria acrescentado, além de estalidos mais altos e mais fortes.”
Sem dúvida, essa variedade de sons não apenas acrescenta autenticidade e profundidade aos Clickers para fazê-los parecer mais do que uma ameaça, mas também serve como importante função do jogo: enquanto os protagonistas decidem se irão se esquivar furtivamente desses adversários, ser capaz de ouvir o nível de alerta e a localização deles em relação a você permitirá que os protagonistas determinem melhor como sobreviver à mais icônica das ameaças de The Last of Us.
A ameaça perdura depois de todos esses anos, um legado construído a partir do trabalho entre desenvolvedores e departamentos da Naughty Dog para dar vida aos Clickers e que prossegue: mais recentemente, pôde ser visto em The Last of Us Part I, agora disponível no PlayStation 5 para pré-compra em PCs por meio da Steam e da Epic Games Store.
“Havia engenheiros de som bastante talentosos à época [do jogo original], como Derrick Espino e Erick Ocampo, os quais tiveram de se desdobrar para juntar todas essas peças no jogo”, disse Kovats. “Trabalhamos juntos na produção e tentamos fazer de tudo para dar certo. Havia muita repetição e experimentação para chegar a um resultado incrível. Ao prosseguir com o segundo jogo e com o que as pessoas passariam a ouvir na Parte I, Beau Jimenez surgiu mais tarde e reformulou muito dos sons do segundo jogo. Havia bem mais trabalho a ser feito, mais comportamentos, já que tudo era mais dinâmico no segundo jogo e na Parte I.”
Dando vida aos Clickers
Os Clickers, é claro, agora podem ser vistos em live action em The Last of Us na HBO. O segundo episódio marcou também a estreia de Druckmann como diretor de TV e permitiu dar vida aos Infectados mais icônicos da franquia. Nesse sentido, ele teve de levar em consideração as diferenças em tornar uma criação assustadora tão eficaz em uma nova mídia, como na sequência em que o Clicker encontra um museu.
“Uma das maiores diferenças nas sequências de ação é que, provavelmente, nunca incluiríamos isso na cena de um jogo, pois seria algo como ‘Oh, quero tentar isso’. Essas partes queremos deixar no controle do protagonista e dizer: ‘Assuma o controle da situação’, porque isso faz a gente sentir a ameaça”, afirmou Druckmann. “Você pode fazer isso no programa de TV. Muito do que envolve o programa, em especial um programa como este, é a moderação. Quando algo é assustador assim, fica ainda mais assustador se não puder ser visto.”
A ideia culmina em momentos tensos, quando Joel, Ellie e Tess, na versão para TV, têm um vislumbre dos Clickers, mas não entram imediatamente em combate com eles.
“Teremos vislumbres deles ou os veremos como reflexo no vidro. Mesmo ao fim do episódio, quando a multidão [de Infectados] avança na direção de Tess, nós os mantemos fora da atenção porque foi terrivelmente assustador vê-los ou simplesmente sentir a presença deles”, comentou Druckmann. “Fica ainda mais assustador, especialmente nesse tipo de mídia, ver o medo nos olhos do personagem. Grande parte da direção, dependendo de para onde a gente aponte a câmera, é ‘Vamos mostrar o medo dos personagens o máximo possível, mais até do que a coisa que os persegue’.”
As poucas aparições dos Clickers e a tensão que isso causa na versão para a TV também contribuem com algumas das diferenças com as quais os criadores se viram desafiados entre as diferentes mídias. Na versão para jogo, os protagonistas desejam ter vários encontros e testar suas habilidades ao mesmo tempo em que se ocupam com a dissimulação e a mecânica de combate. Porém, ação demasiada em um programa de TV poderia ser algo repetitivo.
“Quando temos uma sequência de ação, ela precisa ser singular. Um dos pontos que discutimos foi a função da ação no programa. Acreditamos que gostaríamos mais dos momentos de ação se eles fossem singulares, diferentes e distintos um do outro, e cada um deles afetaria a história diretamente de uma maneira extremamente clara, mesmo sendo muito pequenos ou muito grandes”, afirmou Craig Mazin, produtor executivo.
Havia um elemento mecânico específico que os criadores do programa tiveram de levar em consideração ao adaptar a ação para a TV: os personagens não podem se recuperar com tanta frequência quanto os protagonistas.
“O outro problema do programa no qual teríamos de trabalhar de um jeito diferente do jogo é que os jogos incluem mecânica de recuperação e isso não funciona exatamente assim na TV. Não dá para simplesmente se abaixar, enfaixar e tudo ficar bem. Com isso, a violência tem outro impacto. Doses menores de violência causam danos bem maiores, e o dano dura mais tempo, bem mais tempo ou é permanente”, afirmou Mazin.
A mudança de jogo para televisão também requer uma mudança na coreografia de sequências como essa. Não é preciso ensinar mecanismos de combate e dissimulação aos telespectadores como os protagonistas fazem; portanto, as formas como os personagens se comportam também podem ser mudadas para melhor se adequarem aos objetivos da cena.
“A ideia não é simplesmente ver Joel entrar em cena e dizer ‘Beleza, isso é o que vai acontecer’. No jogo, agimos assim porque queríamos deixar muito claro o que esses mecanismos são. Aqui, podemos decidir por ‘Muito bem, vamos fazer tudo de um jeito totalmente cinematográfico e sem diálogos'”, afirmou Druckmann. “Assim, Joel coloca o dedo na boca e aponta para o ouvido tentando explicar a Ellie o que eles devem fazer, por que é tão importante manter o silêncio e o que acontece se você fizer barulho. Esses elementos se tornaram muito importantes.”
A ação, em geral, assinalou uma grande diferença de filosofia entre as mídias.
“No jogo, é preciso ter ação suficiente para dominar a mecânica e poder se conectar com os personagens, entrar em um estado fluido”, explicou Druckmann. “No programa de TV, em cada sequência de ação, nossa abordagem foi ‘Como deixar isso por conta do personagem?’ Algo precisa acontecer com os personagens. E não pode simplesmente envolver espetáculo. Nesta sequência [do Clicker], até este ponto, Ellie está de fato conectada a Tess. Somente quando forçada a falar com Joel é que parece ser um grande esforço para ela ter de lhe perguntar algo. Eles não se gostam, mas essa sequência os une e obriga Joel a protegê-la de um jeito que ele não gostaria, mas que é inevitável.”Seja qual for a mídia, a ação de The Last of Us provoca a tensão, as emoções e os temas do mundo através de cada encontro. Os Clickers representam o trabalho conjunto realizado pelo pessoal das equipes de desenvolvimento da Naughty Dog de criar um adversário assustador, mas realístico. Para aqueles que desejam testar sua coragem contra os Clickers e muitos outros Infectados, The Last of Us Part I já está disponível para PlayStation 5, bem como na pré-venda para PCs por meio da Steam e da Epic Games Store até seu lançamento em 3 de março. The Last of Us vai ao ar na HBO e está disponível para streaming no HBO Max.
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