O criador de Souls conversa sobre o design de mundos abertos, acessibilidade, It Takes Two e mais.
Há cerca de 13 anos, Demon’s Souls foi lançado para o PlayStation 3, intrigando, desafiando e cativando os jogadores. Dirigido por Hidetaka Miyazaki da FromSoftware, o RPG de ação se especializou em combates perigosos, ambientes imprevisíveis e narrativas misteriosas. A FromSoftware continuou a melhorar sua fórmula, de Dark Souls a Sekiro: Shadows Die Twice, inspirando multidões de criadores de jogos no processo.
Hidetaka Miyazaki e a última criação da FromSoftware, Elden Ring, pegam o cerne da fórmula de Souls e inovam de maneiras empolgantes. O desolado mundo aberto das Terras Intermédias convida os jogadores a explorar em todas as direções. Uma montaria invocável possibilita uma travessia mais profunda e veloz. O famoso autor George R. R. Martin até se juntou com a FromSoftware para imaginar o mundo de fantasia que os jogadores vão adentrar, que chega para PS4 e PS5 no dia 25 de fevereiro.
Para a nossa sorte, Miyazaki-san dedicou algum tempo durante a reta final de Elden Ring para conversar sobre o jogo em si, fazendo considerações sobre acessibilidade e sobre a colaboração artística, falou até dos momentos divertidos que teve com It Takes Two.
Gameplay mostrado neste artigo foi capturado do Elden Ring Closed Network Test para PS5
PlayStation Blog: Parabéns pela bela recepção no Teste Fechado de Elden Ring! Qual foi a reação dos fãs e da imprensa que mais se destacou para a equipe que acompanha de perto esse grande teste prático?
Miyazaki: Obrigado! Em geral, as reações no teste fechado foram relativamente boas, e isso foi ótimo. Não costumo olhar para as reações dos usuários no detalhe; isso pode ser assustador. Normalmente eu recebo comentários filtrados que vêm de várias fontes na equipe, tanto da nossa gente quanto dos editores, então acabo tendo uma visão mais holística.
Mas o mais importante foi descobrir certas coisas que geralmente não damos bola por parecerem óbvias para nós que somos desenvolvedores de jogos. Os comentários mais úteis indicaram as dificuldades dos usuários e tudo aquilo com que eles não se deram bem. Por exemplo, sobre a nova mecânica de opções de invocação, os usuários podem colocar suas marcas para que sejam reunidas em um grupo de jogadores disponíveis para invocar. Os jogadores não costumam ver esse tipo de coisa imediatamente, então esses comentários foram muito bons para ajustar as mecânicas.
Qual elemento de Elden Ring você gostaria que não passasse despercebido pelos fãs e pela imprensa antes do jogo ser lançado?
Os jogadores não deixaram nenhuma área específica de fora no teste fechado e a gente não quer forçar nenhuma parte para eles. O principal é que os jogadores sintam a importância do nível de liberdade em que a gente está focando dessa vez. Queremos que explorem o jogo à sua maneira, cada um no seu ritmo, sentindo-se livres nesse novo mundo aberto.
Se possível, gostaríamos que os jogadores tentassem se afastar de prévias ou guias, para assim embarcar em uma aventura totalmente nova e com a mente aberta. É assim que gostaríamos que fosse a primeira experiência no jogo. E é desse jeito que esperamos que os nossos jogadores possam vivenciá-lo: com tranquilidade, cada um no seu ritmo, sem deixar de se maravilhar.
Uma olhada no mundo aberto das Lands Between
Quais foram as maiores lições que você aprendeu fazendo um jogo de mundo aberto?
Foram dois grandes desafios que enfrentamos ao desenvolver Elden Ring. O primeiro era expandir o nível de liberdade. Elden Ring tem um mundo aberto ainda maior que os nossos jogos anteriores, então nós nos deparamos com o desafio de manter o estilo de jogo e ao mesmo tempo oferecer um senso renovado de liberdade. Então há elementos como o balanceamento da exploração do jogador e as lutas contra chefes, a ordem de progressão dos jogadores pelo jogo e a progressão dos eventos em si pelo mapa — tentar expandir a liberdade do jogador enquanto se mantém o balanceamento de tudo isso é um desafio e tanto. Mas aprendemos grandes lições ao tentar alcançar isso.
Outro desafio ao criar um jogo de mundo aberto é o ritmo da progressão do jogador, basicamente tentar balancear o ritmo que o jogador impõe enquanto explora esse mapa aberto e como isso é calculado na liberdade e na progressão que o mapa fornece. Então aprendemos lições valiosas enquanto ajustávamos tudo nesse sentido.
Sekiro: Shadows Die Twice pela FromSoftware e Activision
De que maneiras o Sekiro: Shadows Die Twice impactou na sua filosofia ao desenvolver Elden Ring?
Preciso dizer que, sobrepondo o desenvolvimento de Sekiro e o de Elden Ring até certo ponto, não há nada que tenha vindo diretamente desse outro projeto. Mas há diversos exemplos de influência indireta. Por exemplo, a mecânica de quebrar a posição do inimigo em Elden Ring é parecida com o sistema bem sucedido de posturas do Sekiro. Até fizemos uma referência à travessia do jogador em Sekiro no sistema de montaria e como você atravessa o mapa em Elden Ring.
Além disso, em termos de narrativa e da forma de contar as histórias dos personagens, Sekiro foi muito mais direto do que os nossos títulos anteriores estilo Souls. Ao mesmo tempo em que estamos mantendo o mundo de Elden Ring com um senso de profundidade e de história fragmentada — vamos seguir com a nossa filosofia de narrativa –, há ainda mais foco em elementos humanos e nos dramas do que antes. Com certeza nos inspiramos na forma como Sekiro lidou com isso, e tentamos aplicar as boas experiências em Elden Ring.
Algum conselho para os novatos chegando ao Elden Ring, seja uma sugestão de classe ou de estilo de jogo?
Em geral, gostaria que os jogadores novos não se sentissem pressionados, e que podem jogar no seu próprio ritmo. Não quero forçar nenhum estilo de jogo ou alguma trajetória específica, pois quero que os jogadores vivenciem essa liberdade. E ao mesmo tempo em que oferecemos jogos com um alto nível de dificuldade, entendo que os criamos de forma que seja recompensador superá-los. Mas não quero que os jogadores novos se preocupem ou se estressem tanto com essa dificuldade.
Dessa vez, em Elden Ring, temos muitas opções à disposição dos jogadores para que enfrentem situações desafiadoras usando sua astúcia para enganar os inimigos e os chefes. Eles podem voltar para algo mais tarde, caso esteja muito complicado, de forma que eles têm essa liberdade de progressão, sem precisar ficar batendo a cabeça contra a parede. Podem descobrir o que fazer e como abordar a situação de novo, cada um no seu ritmo.
Como nos nossos jogos anteriores, temos elementos multijogador, mas as barreiras de entrada foram facilitadas, ficando bem mais acessível. Então esperamos que os jogadores aproveitem isso.
E sobre a classe inicial: depende totalmente do jogador. É um RPG, e eles podem jogá-lo como preferirem, da forma que parecer mais legal para eles. Mas eu não recomendaria escolher o personagem pelado (conhecido como o Wretch [Infeliz]). Como de costume, é provavelmente a classe mais difícil de se começar!
Como as discussões sobre a acessibilidade e a dificuldade do jogo impactaram a forma como você preparou e manteve a dificuldade clássica da FromSoftware em Elden Ring? Isso foi algo em que sua equipe tentou prestar mais atenção?
Sim, foi. É uma discussão válida. Sinto que a nossa ideia com esses jogos, não só com Elden Ring, é criá-los de forma a encorajar o jogador a superar as adversidades. O plano não é dar trabalho ou dificultar as coisas só porque sim. Queremos que os jogadores sejam perspicazes, estudem o jogo, pensem no que está acontecendo e aprendam com seus erros. Não queremos que os jogadores sintam como se o jogo fosse injustamente punitivo, mas sim que há uma chance de vencer apesar das dificuldades e progredir. Sabemos que os jogos como o Souls costumam ser associados a níveis impossíveis de dificuldade e uma barreira de entrada muito alta. Mas tentamos criar jogos que tornem mais divertido esse ciclo repetitivo de tentar superar os desafios. Então esperamos que o Elden Ring com suas novas opções seja um sucesso nesse sentido.
Em Elden Ring, a gente não tentou reduzir a dificuldade do jogo de propósito, mas acho que mais jogadores vão conseguir chegar até o fim dessa vez. Como falei, o nível de liberdade na progressão do jogador pelo mundo ou a possibilidade de voltar a um desafio mais tarde são elementos que vão ajudar as pessoas a jogar em um ritmo mais tranquilo. Além disso, o foco não é só a ação. O jogador tem mais formas de conduzir o jogo à sua maneira contra, por exemplo, os chefes pelo mapa e como vão usar a stealth[furtividade] nas diversas situações. Até reduzimos a quantidade de etapas que você precisa passar para desfrutar do modo multijogador. Então esperamos que os jogadores abracem a ideia de receber ajuda dos outros. E achamos que a porcentagem geral de conclusão do jogo vai subir dessa vez por causa disso.
Elden Ring parece mais recheado, vibrante, convidativo e ousado que qualquer outro título da FromSoftware que eu tenha jogado. Foi intencional? E por acaso o jogo acaba adentrando territórios mais sombrios em geral?
Sim, foi intencional, apesar de que não necessariamente para tornar o jogo mais vibrante. Mas as cores foram necessárias dessa vez, especialmente ao considerar que Elden Ring tem um grande mundo aberto para se explorar. Queríamos passar a sensação de que uma Era Dourada ocorreu nesse mundo e que o jogador ainda pode ver resquícios disso. Queríamos conceber um mundo com um visual muito mais artístico para criar um tema que remete à fantasia.
Além disso, em um mundo aberto tão grande assim, ter a escuridão predominando o tempo todo seria bem opressivo. Então estamos tentando usar as vastas terras para mostrar as características dos dois lados. Você tem esses momentos mais brilhantes e coloridos, mas também tem situações mais intensas e sombrias, como nos títulos anteriores da FromSoftware, então esperamos que os jogadores busquem desfrutar desse lado sombrio também.
Podemos esperar recursos aclamados da FromSoftware, como o New Game+ e finais variados, em Elden Ring?
Sim, tanto o New Game+ quanto os finais variados estarão presentes em Elden Ring.
Nas entrevistas anteriores, você disse que quer equilibrar o belo e o grotesco na criação dos chefes. Você pode explicar como abordou essa questão usando um dos chefes revelados de Elden Ring?
Isso que você quer dizer com equilibrar o estranho com algum senso de beleza está mais relacionado aos chefes de Dark Souls. Em Elden Ring, queríamos uma abordagem um pouco diferente, pois tínhamos esses personagens novinhos em folha que George R. R. Martin escreveu com seus contextos e as histórias que ele criou para o mundo. Criamos designs grandiosos e heroicos, basicamente com esses semideuses da história do mundo de Elden Ring. Então queríamos aproveitar o que ele nos passou e criar um novo núcleo para esses personagens, com um novo design.
A partir do design dos chefes que revelamos até agora, Godrick, o Grafted [Enxertado], talvez seja o melhor exemplo de como pegamos um conceito heroico e mexemos e transformamos ele com o poder dos fragmentos de Elden Ring. Ele é um ótimo exemplo disso por trazer aquela sensação de tristeza e frustração de um soberano cujo reinado chegou ao fim, tentando desesperadamente se agarrar ao poder que ainda lhe resta. Dessa forma, Godrick é uma ótima personificação desse novo modelo de design.
Vamos mudar o foco um pouco. Você tem tempo de jogar algum jogo hoje em dia? E tem algum novo lançamento que chamou sua atenção nos últimos anos?
Não tenho tido muito tempo para jogar videogames ultimamente, mas tento me dedicar a isso quando posso. Um jogo que me prendeu recentemente foi It Takes Two. Consegui jogar esse do começo ao fim com um amigo virtual em três dias, em três sentadas, e foi ótimo. Esse jogo realmente me impressionou, então sim, esse é um que consegui terminar, pelo menos!
Mas tirando os jogos de videogame, eu sempre adorei jogos analógicos, como os de mesa e coisas assim. E um tipo de jogo que adoro é o de investigar assassinatos. Nem tanto hoje em dia, infelizmente. É difícil organizar e juntar pessoas remotamente, mas sim, esses jogos analógicos são os que eu mais gosto.
It Takes Two da EA e Hazelight Studios
O que foi que tornou It Takes Two único ou memorável para você?
Ele é intenso do começo ao fim, sem espaço para o tédio. A arte e a jogabilidade são diferentes a cada fase, e o jogo encoraja a cooperação entre os jogadores desde o início até o final, sem perder os elementos artísticos. A diversão não acaba, e ele me pareceu muito original logo de cara e até o fim, o que é bem impressionante para mim como colega criador. Sinceramente, não tive muito interesse nele no começo. Mas quando experimentei jogar com um amigo, eu senti. E tendo uma criança pequena, a narrativa me emocionou bastante, o que foi a parte mais interessante no fim das contas.
FromSoftware fez uma colaboração com o lendário autor de fantasia George R. R. Martin para criar o mundo de Elden Ring.
Se você pudesse colaborar com algum outro criador influente (escritor/desenvolvedor de jogos/diretor de cinema etc.) em um jogo da FromSoftware, quem seria?
É uma pergunta difícil. Até a colaboração de George R. R. Martin, isso é algo que eu nem sonhava ser possível. E mesmo assim, aqui estamos. Não é algo que eu tenha pensado muito a respeito em geral, para ser sincero. Mas deixa eu ver se consigo pensar em algo…
*Pausa*
Eu não acho que eu escolheria um colega criador de jogos. Sinceramente, uma das melhores coisas de trabalhar com George R. R. Martin foi que o meio em que ele trabalha tem um estilo tão diferente. Jogos e livros são formas de mídia bem diferentes, afinal. Então, se eu fosse escolher, seria alguém que pudesse trazer o mesmo nível de estímulos que é impossível para desenvolvedores de jogos alcançarem. Poderia ser alguém que trabalhasse com livros, arte, música ou alguma coisa que gerasse esse ímpeto e nos guiasse como colegas criadores, mas em um gênero totalmente diferente. Acho que seria isso — é bem difícil apontar uma pessoa específica ou um estúdio!
Tem mais alguma coisa que você gostaria de mencionar aos jogadores? Algum pensamento para encerrar?
Quero agradecer imensamente a todos que estão acompanhando o Elden Ring e que estão nos assistindo de perto. Apreciamos todo apoio que temos recebido no decorrer do desenvolvimento e demais esforços. Criamos esses jogos para serem desafiadores mas recompensadores, e isso é bastante do que vai ser o Elden Ring. Mas, conforme falamos mais cedo, queremos que os jogadores se concentrem no senso de aventura que o jogo traz. Esperamos que os jogadores descubram o prazer simples de explorar enquanto jogam e que possam avançar cada um à sua maneira, cada um no seu ritmo. É isso que eu espero!
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