De Frente com Ken Levine: O Homem Responsável por BioShock

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De Frente com Ken Levine: O Homem Responsável por BioShock

Depois de levar os jogadores a um dos jogos mais comentados nos consoles desta geração — BioShock — Ken Levine meio que se tornou um dos grandões da indústria de jogos. Com inspirações em temas sócio-politicos, personagens cativantes e direção de arte ambiciosa, o presidente e diretor de criação da Irrational Games ganhou reputação por criar jogos inteligentes para pessoas inteligentes, influenciando uma geração de desenvolvedores de videogames no processo. E agora, o desenvolvedor com escritório em Boston está extremamente focado no desenvolvimento de BioShock Infinite, um jogo que já recebeu grande atenção pelo seu foco em temas como xenofobia, Excepcionalismo Americano e desordem civil.

Eu conheço Ken muito bem, mas sempre quis saber mais sobre seu passado: de onde ele veio, como foi sua juventude e como ele se tornou um amante descarado da cultura geek (que se manifestou como um espírito defensor dos geeks [textos em inglês] nas páginas da revista americana Game Informer). Recentemente me encontrei com ele para analisar estes temas a fundo e, com sorte, ter uma ideia do que inspira esse cara.

Bioshock Infinite: Entrevista com Ken LevineBioshock Infinite: Entrevista com Ken Levine

PlayStation.Blog: Onde você cresceu? Você se sentiu excluído por se descrever como um geek?
Ken Levine: Nasci em Flushing, Nova Iorque. Eu cresci numa pequena cidade ao norte de Nova Jersey. Costumávamos ir bastante a Nova Iorque… mas, sim, eu era um garoto de Jersey.

Acho que é difícil para os jovens de hoje entender como o mundo era antes da internet. Era solitário para os nerds — havia poucos na época. Tinha os quadrinhos, talvez um filme de sci-fi por ano. Quando Star Wars chegou, foi uma revelação. Foi a primeira vez que havia um universo totalmente sci-fi para você ver. Eu assisti no fim de semana de lançamento e foi como alcançar uma área proibida. Naquela época, se um quadrinho era cancelado, você não encontrava mais, pois não havia a internet. Você procurava nas lojas e simplesmente não encontrava. Você só via as novidades indo até as lojas.

Tinhamos que esconder do que gostávamos pois éramos nerds. Fomos motivo de chacota por conta dos nerds não serem parte da cultura popular. Mas isso não me poupou de ser fanático. Eu jogava Dungeons & Dragons sozinho, na minha cama, pois não tinha ninguém para jogar. Eu criava personagens o dia inteiro! [risos]

PSB: Vou lançar uma pergunta crítica: No fundo, você prefere Star Trek ou Star Wars?
KL: Os dois. Eu amei Star Wars pelo quão profundo ele foi e por como ele criou seu mundo visualmente. Eu me importo muito com a consistência visual. Acho que hoje é fácil esquecer o quanto Star Wars tinha um mundo visualmente consistente, como C3PO se limpando: eles não tinham que falar “Isto é como C3PO se limpa!” Eles apenas mostravam os pequenos detalhes.

Star Trek não tinha orçamento para isso, eles não tinham pessoas. Foi um pouco mais desorganizado. Mas adoro o aspecto metafórico de Star Trek, em que eles contam histórias de hoje, sobre política, sobre cultura através da lente deste mundo. Amo as diferentes coisas de cada franquia.

PSB: Seus pais ficaram assustados com o crescimento do seu reinado nerd ou eles te apoiaram?
KL: Eu fui muito sortudo — meus pais me apoiaram. Não sei se alguém lembra, mas quando Dungeons & Dragons foi lançado, muitas pessoas pensavam que quem jogava era voltado a cultos satânicos. Meus pais diziam “esta é uma maneira incrível para Ken expressar sua criatividade.” Eles definitivamente apoiavam isso e os quadrinhos. O ponto alto da minha infância foi o dia em que meus pais compraram um Atari 2600. Meu pai trabalhava com joias e ele fez algum negócio para conseguir o 2600 e ele me deu no primeiro dia do Hanukkah e eu nem sabia que iria ganhar.

Mas eu era nerd em casa. Levei meus quadrinhos para a escola uma vez e as outras crianças tiraram sarro de mim, então não pude levar mais. Era difícil, pois não havia uma cultura nerd. Havia os nerds individualmente, mas não havia maneira de conectá-los.

Ken LevineKen Levine

PSB: Ao crescer, você costumava ler sci-fi ou fantasia? Quais seus livros favoritos?
KL: Eu nunca fui um grande leitor de ficção científica ou fantasia. Se eu lia algo sci-fi, geralmente era uma ficção distópica como Orwell [1984] ou Admirável Mundo Novo. Por um tempo, fui obcecado pelo romance Logan’s Run (Fuga no Século 23, em português), mas no geral nunca fui um grande leitor de sci-fi ou fantasias. Eu estava nestes temas com os jogos, desde D&D etc.

PSB: Teve algum livro que fez você dizer “Eu posso fazer isso. Posso escrever uma ficção”?
KL: Não. Na verdade, escrevi uma peça de teatro. Eu entrei em contato com essas coisas criativas trabalhando como designer de áudio, meio que um técnico de som, e trabalhava em um teatro num acampamento de verão. O teatro estava planejando uma amostra e disseram “Podemos fazer uma peça se alguém escrever.” Então eu disse “Ok, eu escrevo a peça”. Eu fiz e foi uma sensação fantástica ao escrever algo. As pessoas gostaram, então realizei que escrever era algo que eu talvez pudesse fazer. Então comecei a escrever e escrever… mas nada me levou a escrever. Eu não sabia como escrever um roteiro, mas escrevi essa pequena peça em uma tarde.

PSB: Do que se tratava a peça?
KL: Acho que ela chamava “Graduation Rehearsal”. Era sobre dois jovens em um cursinho de faculdade, um menino e uma menina, que estavam tendo uma conversa. Você descobre que o rapaz matou seu irmão em um acidente enquanto caçavam — esta era a trama! E como ele estava sofrendo com isso. Eu não sei de onde veio esta história, apenas entrei nela. As pessoas gostaram e eu curti escrever, criar este pequeno mundo onde havia apenas este garoto e a garota.

PSB: Qual o seu filme de monstros favorito?
KL: É um remake, mas acho que diria The Thing – O Enigma do Outro Mundo, de John Carpenter. Tinha um monstro legal e alguns ótimos momentos, mas o que aterrorizava era que podia estar dentro de qualquer um — aquele elemento de paranoia. Uma vez que o monstro aparecia e a máscara de borracha estava lá, só podia ser coisa boa. É o que levava a isso. Lembra-se da cena em que Kurt Russel estava testando o sangue dos cientistas? Foi a atuação do ator que vendeu aquele monstro, o jeito em que ele reagia quando o sangue do monstro era queimado e como ele estava conectado àquele sangue.

Bioshock Infinite: Entrevista com Ken Levine

PSB: Você se descreve como um fã de história. Por qual período você sente mais atração?
KL: Quando era mais novo, gostava muito das guerras: a Guerra Civil, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial. Mas desde então, tenho me voltado mais a movimentos sociais. BioShock foi parte disto; pensar sobre as correntes sociais após a 2ª Guerra Mundial que levam às mudanças dos Sixties. E desde que estou trabalhando em BioShock Infinite, tenho me voltado para a virada do século, o período entre 1900 e a Primeira Guerra Mundial. O que a America estava passando, como a tecnologia mudou o mundo…

Agora estou lendo um livro chamado The Ghost Map, que fala sobre a epidemia de cólera de Londres, em 1850. Mas do que realmente se trata é como alguém descobriu que a cólera vinha de beber água e como ele evoluiu o método científico, que realmente não existia na época. Ninguém sabia; as pessoas pensavam que a cólera vinha do ar que respiravam, da depravação moral, todas essas coisas. Este cara descobriu que todos que pegaram cólera tomaram água do mesmo poço contaminado. Ele descobriu com pesquisas científicas básicas… os fundamentos que não existiam naquela época. É muito interessante ver coisas que você tem como certas agora, como a ciência e os métodos científicos, evoluíram de amadores.

PSB: Você vê paralelos históricos onde o mundo está agora?
KL: É sempre uma paralela, certo? Nada que acontece é completamente novo. Quando estávamos trabalhando em BioShock, falávamos sobre noções de governo — o papel do governo, quão grande deveria ser, quão pequeno deveria ser. E isso foi antes do Tea Party vir à tona com este empurrão para o governo conservador. Não foi como se tivéssemos previsto isso; nós vimos no passado com a Sociedade John Birch e Ayn Rand. Todos estes temas se repetem.

Acho que a razão de BioShock repercutir não é pelo fato de estarmos tentando se ajustar aos últimos grandes acontecimentos da sociedade. Nós procuramos coisas que aconteceram repetidamente — pois isso significa que eles são significativos e as pessoas relacionam a elas. Bons ou ruins, estes conceitos são importantes para as pessoas.

PSB: Você diz que a história se repete, mas isso se aplica ao impacto da Internet? Houve alguma tecnologia que revolucionou tanto uma sociedade quanto a democratização aberta e caótica da informação?
KL: A Tecnologia é sempre transformadora. Quando a pólvora surgiu e as armas eram baratas, fez um império cair. Você poderia dar uma grande quantidade de poder de fogo a um fazendeiro. Antes disso, se queria ser poderoso, precisaria de uma grande armadura, uma espada e um cavalo. Por isso os cavaleiros eram armas de elite, eles podiam pagar por isso. Quando a pólvora chegou, democratizou o poder. E ela, portanto, permitiu que estas revoluções chegassem ao mesmo tempo. Tecnologia democratiza poder e, quanto mais você democratiza o poder, é mais difícil se manter nele.

Bioshock Infinite

BioShock Infinite explora temas como xenofobia, chauvinismo e desordem civil, temas que guiaram Ken Levine à paixão pela história e movimentos socioculturais.

PSB: Quais são as repercussões que você cogita?
KL: Se você quer aprender sobre política e sociedade, leia A Revolução dos Bichos, de George Orwell. Os animais tomam o controle da fazenda e se tornam como humanos. É cínico e triste, mas também há progresso. Algumas vezes existem pessoas que não são como o esperado, que quebram o ciclo. Algumas pessoas pensam que BioShock Infinite está dando tapa na cara da America… mas se você olhar para os fundadores da America, eles não fizeram o esperado. Eles disseram a George Washington que ele deveria ser rei, presidente para a vida… e ele disse não. Se caras assim não tivessem dado este exemplo, não sei onde este país estaria hoje.

Ocasionalmente você tem estes indivíduos extraordinários que fomentam uma verdadeira mudança, mas eles são muito raros. Historicamente falando, tende a ser “conheça o novo chefe… que é igual ao chefe antigo.”

PSB: O Excepcionalismo Americano, o nacionalismo e a xenofobia são temas que guiam BioShock Infinite. Estes temas são especialmente relevantes hoje em dia?
KL: Quando começamos a fazer um jogo, não tiramos nada de manchetes. Assim como o primeiro BioShock, não estou surpreso em ver que as manchetes voltam a se alinhar mais próximas ao jogo. Há certos temas que se repetem e repetem pela história: isso foi comum nos anos 30, nos anos 50 com a Red Scare. Você vê essas coisas de novo e de novo, especialmente durante os tempos de crises financeiras. Não é algo que planejamos, é que estamos lidando com temas que estão no núcleo da America e de todo país.

PSB: Qual o seu mal-entendido favorito daquele primeiro vídeo de BioShock Infinite? Tenho certeza que você ouviu alguns.
KL: Algumas pessoas pensaram que era Andrew Ryan como o condutor e essa nunca foi nossa intenção. Outras pessoas pensaram que o Handyman era um Big Daddy, mas não é. Estes são os maiores. Acho natural: jogamos muita coisa nas pessoas, subestimamos o quanto estávamos colocando ali. A cabeça das pessoas girou no começo, mas uma vez que elas respiram, começam a entender.

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